Nintendo: Não há Razão para Tanto Alarde

05-02-2013 16:52

 

  Rob Fahey, antigo editor e agora colunista da GamesIndustry.biz, escreveu um artigo bastante interessante analisando a real situação da Nintendo e do Wii U. Eu queria tê-lo traduzido e compartilhado já no dia primeiro de fevereiro, data de sua publicação original, mas não pude devido a restrições de tempo.

  Como inauguro hoje meu site sobre a Nintendo, resolvi começar postando justamente uma tradução desse artigo, pois ele muito ilumina o que está acontecendo de verdade com a Nintendo e com o Wii U nesse momento.

   É fácil encontrar artigos pela internet com afirmações de que a Nintendo está fazendo tudo errado e que o novo Wii U está fadado ao fracasso. Já li alguns que decretaram até mesmo fim da companhia.

  O mercado está passando por mudanças, as vendas de videogames estão diminuindo, alguns estúdios estão fechando. Parece-me que a situação está problemática para todo mundo, mas a Nintendo sempre me pareceu ser alvo desse tipo de comentário com mais frequência que as demais companhias que fabricam videogames.

  Alguns dias atrás, a Nintendo divulgou seu último relatório de vendas para seus investidores e, devido às vendas mais baixas tanto do 3DS quanto do Wii U, as especulações negativas a respeito do presente, e por consequência do futuro, da companhia se intensificaram. Fahey acha que não há necessidade para tanta preocupação. Abaixo, segue a minha tradução do artigo escrito por ele.

 

 

  Outro prego no caixão dos consoles domésticos de videogame. O “momento Dreamcast” da Nintendo. Os abutres saíram em massa para receber com entusiasmo a última revisão feita pela Nintendo em suas projeções de vendas, cercando a empresa de Kyoto com uma fome grotesca e declarada. O Wii U não alcançou a meta da Nintendo; as nuvens estão se juntando, os profetas da ruína já começam a preparar seus trajes de funeral.

  A notícia que atraiu a atenção de absolutamente todos foi a seguinte – até o fim de março, a Nintendo terá vendido quatro milhões de unidades do Wii U, um número significantemente menor que os 5.5 milhões que ela havia originalmente esperado vender. As vendas do 3DS também foram um pouco diminuídas nas projeções, com 15 milhões ao invés dos 17.5 milhões que ela pretendia vender até o fim do ano fiscal, embora menor atenção tenha sido dada a isso, já que o 3DS está bem solidificado no mercado, com 30 milhões de unidades vendidas.

  Então aqui está o triste cenário – o Wii U, com apenas quatro milhões de unidades vendidas ao final do que poderia ser razoavelmente considerada sua “janela de lançamento,” falhou em capturar a imaginação dos consumidores e não é uma plataforma viável para as “third parties” (desenvolvedores de jogos como a Konami, Bioware, Ubisoft etc). Projetos de software são cancelados, os desenvolvedores de jogos retiram seu apoio, as vendas se tornam ainda mais lentas, e a plataforma mergulha, em espiral, para a morte. A Nintendo é forçada a sair do mercado de hardware, acompanha a Sega e se torna uma “third party” – lançando jogos para tablets e celulares, mais provavelmente.

  Eu tenho um monte de problemas com esse cenário (e com algumas versões moderadas dele que também têm circulado por aí). Pra começar, pode não atingir o objetivo da Nintendo, mas quatro milhões de unidades vendidas após alguns meses no mercado de fato não é nada mal para um novo console. É significantemente melhor do que o PS3 ou o Xbox 360 conseguiram; na verdade, o único console doméstico que se saiu melhor que o Wii U em sua janela de lançamento foi o próprio Wii.

 

  “Um novo console da Nintendo sempre será comparado com o antigo, e isso é sempre uma coisa difícil de alcançar.”

 

  Isso é o que você pode chamar de uma comparação dura, mesmo que ela seja duramente justa. Um novo console Nintendo sempre será comparado com o antigo, e isso é uma coisa difícil de alcançar, dado o fato de que o último console da Nintendo foi o console que mais rapidamente vendeu e mais lucrou na história dos consoles domésticos. Antigos jogadores da Sony talvez expressem alguma simpatia; o PS3, embora tenha alcançado as vendas mundiais do Xbox 360 todo o tempo, tem sido sempre mostrado como um pequeno fracasso devido a comparações com o todo-poderoso PS2. O 360, em contraste, está entronado na sabedoria popular como um triunfo, porque ele superou fortemente o não-tão-bem-sucedido-assim Xbox original.

  Comparações como essa são úteis para se construir narrativas – especialmente narrativas do mercado de ações, no qual o desempenho presente de uma companhia é muito menos importante que sua trajetória. Elas não são muito úteis, entretanto, para se construir um quadro preciso da viabilidade de um produto. O Wii U está abaixo das expectativas de vendas (até mesmo da própria Nintendo, então a companhia não pode acusar os analistas de exagerar na dose nesse aspecto) e também não se saiu tão bem quanto o Wii; há uma narrativa referente ao mercado de ações em baixa para explicar esse declínio. Num nível prático, ainda assim, o Wii U vendeu mais unidades que o Xbox 360 ou o PS3, e perdeu muito menos dinheiro (de fato, a Nintendo irá registrar um lucro anual, comparado às perdas bilionárias que as divisões de jogos da Microsoft e a Sony amargaram durante seus períodos de lançamento), e crucialmente, ela não pode perder o suporte de seu maior desenvolvedor de jogos, porque seu maior desenvolvedor de jogos é a própria Nintendo.

  Isso quer dizer, então, que tudo que vemos no jardim do Wii U são rosas? Não, claro que não. O console claramente não capturou a imaginação dos consumidores da maneira que a Nintendo esperava, e um grande empurrão terá agora que ser dado, tanto em termos de software quanto em termos de marketing e comunicação. O maior risco que a Nintendo enfrenta é o de fracassar em atrair o interesse do imenso público de jogadores casuais que se interessaram pelo Wii, o que confinaria a empresa ao seu público fiel – mas esse público fiel é, em si, muito significante, representada por entre 20 ou 30 milhões de consumidores mundialmente. Capturar consumidores casuais adicionais (ou consumidores fiéis que caem nas garras da Sony e da Microsoft, mas que podem ser trazidos de volta por certos títulos de software) iria levar o console além desses níveis; mesmo que o Wii U alcance apenas metade do seu antecessor nessa tarefa, é difícil ver o Wii U terminar vendendo muito menos que 50 milhões de unidades.

 

“O maior risco que a Nintendo enfrenta é o de fracassar em atrair o interesse do imenso público de jogadores casuais que se interessaram pelo Wii.”

 

  O mercado de ações não vai gostar disso, e isso é bem justo. A Nintendo absurdamente supervalorizou a geração passada – ao ponto de ser tornar a companhia mais valiosa do Japão, à frente do maior fabricante de carros do mundo, a Toyota – e se o Wii U e o 3DS não alcançarem a trajetória de vendas de seus antecessores, a próxima geração irá ver uma subvalorização que poderá ser igualmente absurda. Sem qualquer dúvida vai haver reclamações por parte dos acionistas, mas a Nintendo é mais protegida do descontentamento de seus acionistas que muitas outras empresas, graças às muitas ações do antigo presidente Hiroshi Yamauchi (que é dono do maior bloco votante dentro da empresa), e aos banqueiros e instituições japonesas, que são geralmente menos ativistas que os acionistas do ocidente.

  Declínio no valor das ações, entretanto, não é o mesmo que a inviabilidade de um produto, nem precipita um colapso no mercado de uma companhia – ou mesmo em seus lucros. A viabilidade de um produto precisa ser termos mais sólidos e menos afetados por sentimentos.

  Está dando lucro? Tem uma base instalada grande o suficiente para justificar desenvolvimento contínuo?

  Esses são, claro, alvos móveis. A lucratividade aumenta à medida que a vida útil de um console continua, com os custos de produção geralmente diminuindo mais rápido que os cortes no preço do hardware reduzem os lucros (embora haja exceções, o 3DS sendo uma óbvia). Aumentos nas vendas de software também aumentam a lucratividade – note que o Wii U, embora seja o primeiro console da Nintendo a ser lançado como um hardware subsidiado, está confortavelmente fora do vermelho depois de seu lançamento, tendo vendido 3.8 unidades de software por console até agora. É possível esperar que isso aumente significantemente; o Wii, normalmente descrito como o console que ficava largado acumulando poeira, de fato tem uma porcentagem de 8.7 jogos vendidos por cada console. E, finalmente, movimentações no mercado externo também influenciam a lucratividade, e depois de alguns anos duros, o iene está finalmente se movimentando numa direção positiva tanto para a Nintendo quanto para a Sony. Depois de alcançar uma taxa de cambio abaixo de 80 ienes para o dólar durante boa parte dos anos de 2011 e 2012, agora temos mais de 90 ienes para o dólar, um nível que não era alcançado desde junho/julho de 2012. Ainda está longe dos níveis pré-crise financeira, que raramente caíam abaixo dos 100 ienes para o dólar, mas é o suficiente para dar as companhias japonesas um respiro em seus lucros.

  A viabilidade de uma base instalada também é um alvo móvel. Quanto maior, melhor, mas as coisas não são tão simples assim; você não pode simplesmente dizer “bem, há meio bilhão de aparelhos de iOS por aí e ainda mais Androids, então consoles domésticos são irrelevantes agora,” embora alguns comentaristas tentem fazer exatamente isso. Para muitos tipos de software, uma máquina com uma base de 30 milhões de unidades já vendidas formada inteiramente de jogadores ativos que estão dispostos a gastar US$ 40,00 em software em pequenos intervalos de meses é mais viável do que um sistema com 150 milhões de sistemas vendidos cujos jogadores não se interessam muito em adquirir software e gastam com isso apenas esporadicamente, em quantias menores. Ao contrário, há muitos tipos de software que absolutamente florescem nessa última situação, e falhariam completamente na primeira. Custos de desenvolvimento também são um fator importante, porque se seus custos de desenvolvimento são altos demais, você tem que ser capaz de alcançar um mercado maior (ou, de alguma maneira, cobrar mais dinheiro dele) para contrabalançar isso.

 

  “Em outras palavras, em se tratando da Nintendo, parem de tentar olhar tudo da perspectiva do mercado de ações.”

 

  Em outras palavras, em se tratando da Nintendo, parem de tentar olhar tudo da perspectiva do mercado de ações. Essa perspectiva tem seu lugar, mas ela não é muito útil quando usada para prever o estado da indústria de jogos à medida que procedemos em direção a um futuro incerto. Essa perspectiva nos dá extremos e ignora sutilezas; onde qualquer indivíduo com um mínimo de inteligência e visão pode olhar para as notícias de que “o Wii U não está se saindo tão bem quanto o Wii” e interpretá-las em contexto como um declínio, mas não necessariamente como uma catástrofe ou sinal de um colapso iminente, uma abordagem mercadológica permite um pouco, se qualquer, dessa sutileza.

  A Nintendo tem um monte de trabalho para fazer com o Wii U, mas já estivemos lá antes – ela teve muito trabalho pra fazer com o 3DS também. Enquanto o corte no preço do 3DS ajudou muito, muito do trabalho real foi feito ao melhorar significantemente os títulos lançados para o console, e um processo similar está a caminho com o Wii U. Tudo o que temos que fazer é olhar a resposta entusiasmada que o último Nintendo Direct obteve tanto da mídia quanto dos fãs da Nintendo para vermos a real situação da empresa. Em seu coração, ela é uma companhia de software. Seus consoles simplesmente fornecem o hardware para o software, e assim, eles vendem em paralelo com os lançamentos de grandes títulos de software. Claro, este é um argumento válido a favor do destino final da Nintendo fora do mercado de hardware, completamente, mas nesse momento, a companhia não está disposta a abrir mão desse nível de controle – e, no momento, parece que ela não precisa fazê-lo mesmo. Eu não espero que o Wii U alcance o sucesso do Wii, num prazo médio ou longo de tempo – mas, da mesma forma, eu não me incluo no grupo formado por aqueles que esperam que esse seja o último console da Nintendo. O sentimento é negativo agora, mas os fundamentos não, e para uma empresa como a Nintendo, é o último que conta.

 

 Rob Fahey é um ex editor da GamesIndustry.biz que passou muitos anos vivendo no Japão e provavelmente ainda tem um conjunto Samba de Amigo do Dreamcast em perfeitas condições.

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